sexta-feira, maio 25, 2007

Artigo - José Mariano Beltrame

Pessoal,

A seção de Opinião do Jornal O Globo de hoje publicou um artigo do secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, referente à operação que está sendo feita pela polícia na Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão, operações estas que já passaram do vigésimo dia.

Na minha opinião o artigo é bastante realista e talvez sirva para confirmar uma nova postura da cúpula de segurança do Rio, no combate à criminalidade. O secretário de Segurança me parece um homem de bem e realmente preocupado em melhorar a nossa cidade. Só não pode esquecer que depois da ocupação policial, ele deve ser o responsável por cobrar do estado a ocupação social.

Acho que vale a pena a leitura.

Abraços.


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Vila Cruzeiro e a retórica da inteligência

JOSÉ MARIANO BELTRAME

A ação da polícia na Vila Cruzeiro fez recrudescer certas críticas em torno da
política de segurança pública adotada no Rio de Janeiro. Em 24 dias de operação,
16 pessoas morreram — 13 ligadas ao tráfico, dois moradores e um policial —,
além dos feridos por estilhaços e balas perdidas. Para fazermos um diagnóstico
isento é necessário encararmos a realidade sem desvios, deixarmos de lado a
tentação por números de curto prazo, o moralismo ingênuo e até mesmo as dores do
conflito.

As maiores queixas em relação ao enfrentamento — na Vila Cruzeiro e nas outras
favelas — se referem à brutalidade dos confrontos e à falta de inteligência. A
cidade do Rio de Janeiro tem hoje 759 comunidades carentes, 328 delas com
movimento do tráfico. A inteligência policial nos informa que mais da metade dos
crimes praticados desde a virada do ano — tais como roubo de veículos,
homicídios e ataque a alvos civis — foi promovida por bandidos ligados à maior
facção criminosa do estado.

As ações da Polícia Militar no Complexo do Alemão visam a desarticular a base
operacional desse grupo.

As apreensões comprovam o que já sabíamos: folhas de papel, com as despesas da
facção criminosa no mês de dezembro de 2006, incluem o planejamento e a execução
dos atentados ocorridos no final daquele mês. O material lista compra de munição
e armamento, pagamento de material de divulgação, ordens para aliados, pagamento
de propinas para resgate de cúmplices e de “mulas” para levar telefones e drogas
a presídios.

A contabilidade de fevereiro de 2007 registra o dinheiro arrecadado nas
localidades sob o seu domínio .

A postura da facção criminosa apresenta características de um planejamento
calcado em ações de guerrilha: o fechamento de vias públicas com obstáculos
estáticos (muros, trilhos) e móveis (caminhões e carros de passeio), trincheiras
e derramamento de óleo. Já foram removidas 150 toneladas de entulho de
barricadas.

Dessa forma, não muito raro, a chegada ao objetivo, pelo tempo levado para a
progressão, faz com que os alvos tenham sido esvaziados.

Sabemos que não há solução simples para o Rio, muito menos uma alternativa “mais
inteligente”. Temos ciência do risco que a população civil corre e tentamos
minimizá-lo. Mas, como gestores da segurança, nos parece inconcebível assistir
passivamente à evolução de bandos armados para a guerra, que empunham
metralhadoras antiaéreas, atiram em inocentes para proteger-se e resolvem suas
diferenças em plena luz do dia no centro da cidade — como aconteceu no Morro da
Mineira há um mês. Afinal, se estamos nesse estágio hoje, onde estaremos no
futuro? É imperioso continuar com as operações planejadas, sob pena de estarmos
compactuando com os criminosos, ao permitir que eles aumentem seu poderio,
acumulem drogas, armas e munições e saiam a qualquer momento de seus redutos
veis para fazer novas vítimas e aterrorizar a população.

Virou lugar-comum criticar a polícia por falta de inteligência nestas ações. Os
críticos confundem “inteligência”, no sentido comum do termo, com “inteligência
policial”. Usam a palavra, ou a ausência dela, para desqualificar a decisão do
confronto, explicar o número de vítimas, ou reclamar da demora de resultados.
Que fique claro: inteligência policial nada mais é do que a busca e o cruzamento
de informações precisas que possam dar origem a um plano. É saber o máximo e o
melhor sobre o inimigo, sua localização, poder de fogo, organização, modo de
agir, pontos fortes e pontos fracos. Portanto, inteligência policial não exclui
o confronto e nem sempre é sinônimo de prisões silenciosas, embora estas sejam
as operações que perseguimos, como a que vimos no Aeroporto Internacional Tom
Jobim, ou a de ontem, quando, sem dar um tiro, a polícia desbaratou um bando
envolvido em negócios de carros roubados.

Mudar o quadro do Rio exige mudanças estruturais, de longo prazo, que, devido às
inúmeras crises desde o início do ano, acabaram distantes dos holofotes. Passos
importantes já foram dados, mas isso é assunto para outra oportunidade.

JOSÉ MARIANO BELTRAME é secretário de Segurança do Rio de Janeiro.

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