sábado, fevereiro 10, 2007

Um grande vale-tudo

Publicado ontem no blog 'No front do Rio', do Globo On.

Acho que cada um deveria fazer uma reflexão e ver se está realmente fazendo sua parte e incentivando outras pessoas a fazerem.

Abraços.

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Fazia tempo que eu não chorava. Mas aí veio João. Um amigo ofereceu-se para executar os bandidos - com a condição de que fosse em cadeia nacional. A mãe de uma amiga, conhecida por suas atitudes ponderadas, seu jeito sereno e seu discurso pacifista, quer vê-los no cemitério. De minha parte, preferia que esses facínoras passassem o resto da vida - que deve ser curta - encarcerados, apodrecendo numa prisão. Arrastar criança em carro ou queimar bebê em ônibus é de uma violência tão inominável que não dá para ser misericordioso.

Mas um país não se torna selvagem de uma hora para outra. A barbárie se constrói aos poucos. Não consigo deixar de pensar que matamos João também quando votamos em Maluf, elegemos Collor e damos habeas corpus ao juiz Lalau. Que matamos João quando permitimos que a polícia massacre jovens nas favelas, quando deixamos que motoristas de ônibus avancem o sinal ao meio-dia de uma rua movimentada, quando lamentamos "o absurdo da violência" enquanto cheiramos pó.

Que matamos João quando concedemos liberdade provisória a bandidos que não voltam para a cadeia, quando permitimos que as favelas cresçam de modo desenfreado, quando deixamos na rua Sérgio Naya, os assassinos do índio Galdino, os donos do Bateau Mouche e tantos outros indivíduos de pés descalços ou colarinhos brancos.

Em 1922, o cronista Figueiredo Pimentel - ou Edison Pereira, não sei ao certo - cunhou uma frase que se tornou célebre: “O Rio civiliza-se”, para falar de uma cidade que se modernizava. Oitenta e três anos depois, outro cronista disse: "O Rio brutaliza-se".

Escrevi isso aqui, no dia 24 de outubro de 2005, depois de ver dois pitboys caminharem com dois pitbulls num sábado à tarde, no Aterro do Flamengo. Os cães estavam sem coleira, focinheira ou enforcador, e passeavam livremente em meio a dezenas de crianças pequenas.

Agora, um ano e meio depois, o slogan deveria ser outro: "O Rio barbariza-se". Quantos de nós, no dia-a-dia, não cometemos pequenas - ou grandes - irregularidades que vão se somando para criar a sensação de um grande vale-tudo? Em meio ao pranto por João, a hora é de cobrança por menos impunidade e de um exame de consciência, para que possamos sonhar em dizer um dia: "O Rio humaniza-se".

Um comentário:

Anônimo disse...

É, esse texto mexe mesmo com a gente. Eu já tinha deixado um comentário lá.